O primeiro volume intitulado “
Desde os Primórdios até a Morte dos Averroes” (1198),
da importante publicação em três volumes da “
História da Filosofia Islâmica”,
surgiu em 1964. Foi publicado em inglês em 1993 como a “
History of Islamic
Philosophy
”. A trilogia foi escrita pelo Professor Henry Corbin, que era diretor
dos estudos islâmicos da Universidade de Sorbonne em Paris, e que também lecionava todos
os anos na Universidade de Teerã. Este livro é um testemunho vivo de alguém que compreendeu
plenamente o significado mais elevado das correntes iniciáticas, teosóficas e místicas
do Islamismo. Mesmo nos dias de hoje, provavelmente não existe introdução melhor a uma
compreensão séria desses assuntos.
por SERGE HUTIN, FRC*V
Meu objetivo não é tentar apresentar um
resumo adequado, mas brando do magnífico
panorama espiritual que Corbin nos oferece,
mas extrair dele alguns elementos que podem
nos tornar plenamente conscientes da imensa
riqueza espiritual, ainda tão displicentemente
não reconhecida no ocidente, do esoterismo
islâmico em suas formas tradicionais.
O Significado
Secreto do Corão
O Islamismo é uma religião que depende
totalmente de um livro inspirado, o
Corão. A
religião Muçulmana de fato forma o terceiro
– e último revelado – ramo do que pode ser
chamada de tradição Abraâmica: Judaísmo,
Cristandade e Islamismo são todas “religiões
do bloco” da mesma revelação monoteísta.
Como a
Bíblia, o Corão está sujeito a dois
tipos de investigações, ambos totalmente
genuínos. Podemos ver nele “
as regras de viver
neste mundo e o guia para além deste mundo
”.
Por um lado, existem as interpretações literais
e, por outro, a exegese esotérica. O problema
do “
verdadeiro significado” do trabalho
sagrado ditado ao Profeta Maomé não poderia
de fato surgir para os iniciados do Islamismo
que são totalmente leais às suas convicções
espirituais e práticas religiosas, enquanto,
ao mesmo tempo, reconhecem a existência
real de homens inspirados fora de seu caminho
tradicional. Por outro lado, esta tolerância
ativa é manifestada, por um lado, no reconhecimento
significativo do fato de que o
conhecimento mais elevado de pensadores da
antiga Grécia também veio do “nicho das
luzes da profecia” e, por outro, na ausência
entre os iniciados Muçulmanos de qualquer
desconfiança com relação aos sinceros representantes
da árvore Abraâmica assim como
de outros caminhos. Esta forma extrema de
tolerância resulta até na admissão de Cristãos
e Hindus entre seus estudantes por parte de
alguns Mestres Sufis no Irã e no Paquistão.
Mas, para chegar ao exato problema das
exegeses esotéricas do Corão, Corbin declara
o princípio bem claramente: “
Indicar como
meta a obtenção do significado espiritual implica
que existe um significado que não é o significado
espiritual, e que entre este e aquele que não
existe, existe talvez uma gradação, levando à
pluralidade de significados espirituais
.”
E ele cita – muitas páginas adiante – uma
declaração notável do 6º Imam (Guia) dos
Xiitas, Jafar as-Sadiq (702 – 765 d.C.): “
O
Livro de Deus se constitui de quatro coisas.
Existe o mundo revelado; existe a compreensão
alegórica; existem os significados encobertos
relacionados ao mundo oculto; existem as
doutrinas espirituais mais elevadas. A palavra
literal é para os mortais comuns. A compreensão
alegórica pertence aos Amigos de Deus. As
doutrinas espirituais mais elevadas pertencem
aos profetas
”.
Esta passagem pode ser interpretada da
seguinte forma: “
A palavra literal é para ser
ouvida; a alegoria é para a compreensão espiritual;
os significados ocultos são para a visão
contemplativa; as doutrinas mais elevadas
dizem respeito à realização do todo do Islamismo
espiritual
”.
Por que o esoterismo é necessário? A
razão é óbvia. O grande místico sufi persa Al
Hallaj (858-922 d.C) não se preocupava com
relação a revelar sua grande iluminação
publicamente para o profano nas ruas de
Bagdá. Muitos mestres sufis consideravam
que não era apropriado partilhar o misticismo
com as massas e isso resultou na
execução dele onze anos depois. Não apenas
os crentes profanos e comuns entre eles, mas
até mesmo os mais devotados não conseguem
compreender as verdades secretas, mas
eles se arriscam a fazer com que os iniciados
pareçam ímpios e sacrílegos que desprezam
as crenças e práticas da religião exotérica;
que foi o que aconteceu com o Al-Hallaj.
A citação anterior nos permite compreender
a existência não apenas de um significado
esotérico do Corão, mas de vários
significados hierárquicos, correspondendoaos estágios progressivos do iniciado na
direção da iluminação suprema. A diferenciação
dos significados no Corão é parte
integrante na hierarquia espiritual necessária
dentro da humanidade. Existem três categorias:
1.
O profano comum;
2.
Aqueles que têm o potencial de se
tornar possíveis iniciados (daí a
necessidade de os iniciados
entrarem em contato com eles);
3.
Os iniciados que estão em si
divididos em vários graus de
acordo com seu grau de avanço
pessoal no caminho.
A Hierarquia
Iniciática
As iniciações tradicionais muçulmanas são
geralmente desconhecidas quando não
distorcidas de uma forma grotesca, como
demonstrado em relatos suspeitos que ainda
circulam sobre o assunto. Na Europa, ouvimos
histórias confusas sobre os dervixes, os
Ismailis (pelo fato de Aga Khan, que é mais
ou menos como se fosse seu “papa”, ser uma
das personalidades de que a mídia mundial
fala de bom grado) e os “Assassinos”, os
seguidores de Hassan-e Sabbah, o “Velho da
Montanha” e amigo do cientista e poeta
Omar Khayyam, que acabaram sendo destruídos
pelos Mongóis quando arrasaram a
impressionante fortaleza de Alamut.
Corbin corrige todas as ideias claramente
simplistas sobre esses assuntos. Particularmente,
faz justiça a todas as histórias
negras (como um romance gótico) divulgadas
sobre os “Assassinos” por seus inimigos
em primeiro lugar, e depois por gerações de
autonomeados “historiadores” ocidentais
especializados em sociedades secretas. Sobre
o Sufismo, os livros de Corbin levantam
essa questão bem claramente. O que são os
Sufis? Trata-se de muçulmanos místicos que
se reúnem em comunidades iniciáticas,
muitas vezes de uma forma mais ou menos
monástica, e que se agrupam em várias
Ordens Dervis.
A característica do Sufismo tradicional é
sempre se desenvolver em uma hierarquia
iniciática. Para nos restringirmos ao passado,
vamos tomar como exemplo a sociedade
secreta dos Ikhwan as-Safa ou “Irmãos da
Pureza”, que tinham seu centro em Basra, no
Iraque, durante a ascensão do Califado de
Abbasid. Eles escreveram 52 tratados sobre
matemática, ciências naturais, psicologia e
teologia. Seus iniciados se dividiam em
quatro graus, que correspondiam às aptidões
espirituais que se desenvolviam com a idade,
com iniciação possível apenas após os 40
anos. Aos 40 anos de idade, os membros
começavam sua progressão para a iluminação.
Aos 50, eles poderiam mesmo estar
prontos para perceber diretamente a luz
espiritual na totalidade das coisas, no coração
microcósmico da humanidade como no
Grande Livro da Natureza. Evidentemente,
as idades de 40 e 50 anos pretendem caracterizar
a maturidade iniciática e não devem
ser confundidas com o tempo temporal da
sociedade civil. A idade de 40 ou 50 anos (33
é também frequentemente citado na tradição
Cristã) é a idade em que os iniciados estão
finalmente prontos, como Dante, para
receber a grande iluminação, que poderia, de
acordo com o real avanço do peregrino no
caminho, se manifestar antes ou depois da
maturidade física.
No trabalho de Corbin, encontramos
capítulos detalhados sobre uma área até
menos conhecida pelos europeus do que o
Sufismo, a do Xiismo, de que os Ismailis são
um dos dois grandes ramos históricos. O
fenômeno Xiita coloca-se totalmente dentro
das perspectivas de uma busca perseverante e
ardente, no verdadeiro sentido esotérico, do
caminho realmente espiritual do todo da
Revelação Islâmica e, consequentemente, da
História Islâmica. Mas esse esoterismo que
se desenvolveu depois do Profeta é mais
especialmente baseado no problema da
autoridade suprema tanto temporal quanto
espiritual do Islã. Portanto, o Xiismo se
baseia na crença no Imamato, isto é, em
indivíduos considerados como “Guias”
(Imam significa “guia”) para toda a extensão
da história desde a morte de Maomé (considerado
como sendo o “
Selo dos Profetas”,
terminando o período dos profetas) até o fim
do ciclo terreno de manifestação.
A concepção histórica do Xiismo, portanto,
remonta à época do próprio Maomé.
Os Xiitas foram, desde o início, aqueles que,
ao contrário dos Sunitas (Muçulmanos que
queriam manter a rigorosa observância do
que é chamado de Código Sunnan das
tradições orais que complementam o Corão),
queriam colocar o Islã sob a governância
suprema de um Imam manifestado na pessoa
santa de Ali, primo e genro do Profeta
através de sua filha Fátima. O Imamato teria
que permanecer sempre entre os descendentes
de Ali após sua morte.
Enquanto os “Dozeiros” Xiitas reconhecem
– como indicam seus nomes – doze
imans sucessivos começando por Ali, os
Ismailis reconhecem apenas sete. O contraste
verdadeiro é de fato apenas aparente,
pois as implicações esotéricas correspondem
e aparecem como complementares. Corbin
nos leva à seguinte observação: “
Enquanto a
imamologia dos Dozeiros simbolicamente
corresponde às doze constelações do Zodíaco
(como as doze fontes que jorram da rocha
atingida pelo cajado de Moisés), a imamologia
dos “setenários” do Ismailianismo simboliza os
Sete Céus Planetários e suas estrelas móveis
”.
Até mesmo a ideia de governo iniciático
secreto por debaixo dos panos da história
visível é totalmente tradicional em muitas
formas de esoterismo. No Sufismo Suni
encontramos, sob uma forma diferente
daquela dos Xiitas, a ideia de uma hierarquia
esotérica na qual o Qutb (o pólo ou eixo
místico) é o ápice. Neste caso, deveríamos
lembrar que tradições desse tipo atuam em
vários níveis no domínio histórico assim
como na iniciação pessoal. Também não se
deve esquecer que os iniciadores humanos
ainda têm como missão e papel permitir que
o iniciado entre gradativamente em contato
com “a entidade espiritual”, com o “Anjo da
Filosofia” (um termo amplamente usado no
esoterismo xiita), e com seu guia pessoal, o
“Mestre Interno”, que aparece apenas quando
o estudante está pronto. Isto então explica a
maneira pela qual os documentos esotéricos
são simultaneamente colocados sob um ponto
de vista que Corbin chama de “meta-história”
e no nível do mundo visível neste plano. Isto
fica óbvio no problema central da sucessão
dos Grandes Emissários no plano terreno.
Com relação a isso, Corbin cita um
texto maravilhoso do poeta e filósofo
Ismailiano persa Nasir-e Khusraw (1004-
1088 d.C): “
Religião positiva é o aspecto
exotérico da ideia, e a ideia é o aspecto esotérico
da religião positiva. A religião positiva é o
símbolo; a ideia é o simbolizado. O exotérico
está em fluxo perpétuo com os ciclos e os períodos
do mundo; o esotérico é uma energia divina
que não está sujeita a tornar-se
”.
No decorrer dos acontecimentos neste
mundo, o determinismo invisível sempre
aparece através de uma forma visível. Isso é
essencial na verdadeira compreensão da ideia
tradicional dos ciclos da história. Acontecimentos
terrenos só podem ser explicados
em relação à “
um drama no Céu”; na verdade,
eles preparam o fim. No esoterismo islâmico,
assim como nas perspectivas mais bem
conhecidas na Europa do Apocalipse
Cristão, o problema dos “últimos dias”
desempenha um papel determinante.
No Xiismo, eles falam sobre o 12º ou
último Imam, o “Imam do Tempo”, o Imam
“
oculto dos sentidos, mas presente no coração”.
Desaparecido deste plano, “o Imam oculto” é,
no entanto, acessível aos iniciados, gradativamente
se tornando seu guia invisível
pessoal, seu mestre interno. Até a hora do
Milênio, o “Imam escondido” permanece
apenas visível em sonhos ou
em manifestações pessoais
que têm uma característica
“visionária”. Mas, quando o
ciclo presente chegar a um
fim, o último Imam, o Mestre
Interno dos Xiitas, vai se
tornar manifesto no plano
terreno. É ele que vai presidir
a Aurora Dourada, o advento
da Nova Era. No final do
presente ciclo então, o Mahdi,
o “Imam oculto” que vive
escondido desde 872, vai
proporcionar revelação total e
realização suprema.
A Iluminação
As formas iniciáticas que surgiram no
Islamismo pretendiam – como todos os
caminhos semelhantes, baseados ou não numa
religião exotérica – capacitar a luz interna a
se irradiar de dentro. No Sufismo, portanto,
encontramos exercícios que têm como
objetivo internalizar a revelação Islâmica.
Na busca da plena iluminação, o iniciado
vai reviver a experiência que teve o
próprio Profeta, especialmente no tempo de
seu Mi’raj – ou ascensão – uma experiência
durante a qual Maomé, depois de ter sido
transportado em espírito a Jerusalém, se
elevou pelos sete céus até o trono de Alá.
Da mesma forma, os místicos Sufis tentam
compreender o Corão internamente de
alguma forma, tentando encontrar, através
de uma pronúncia correta dos Suras Corânicos,
o mistério da “
Enunciação do Livro
Santo
” original.
Em última análise, a exegese do Corão
vai se alicerçar no paralelo entre as vicissitudes
da história e as formas nas quais a
alma atinge a iluminação libertadora. Por
exemplo, o maravilhoso exemplo, no Sura 95
(at-Tin), da oliveira que cresce no Monte
Sinai é interpretado da seguinte forma por
um autor Ismaili anônimo: “
Este Sura
significa que o peregrino místico percebe que sua
própria personalidade, da mesma forma que o
fez Moisés, nada mais é do que o “Sinai”, o
santuário interno onde a Forma teofânica pode
brilhar… a Luz Divina.
”
Ser capaz de contemplar “na Alma da
alma” e ser capaz de irradiar a Luz Divina
dentro de nosso coração, este é o objetivo
que o peregrino místico enfoca e vai alcançar
quando a iluminação tiver finalmente
desabrochado nele. Eis uma citação do
grande Sufi Persa Abu Yazid Bastami (804-
874 d.C.), que desempenhou um papel
importante na solidificação do conceito de
amor divino no cerne do Sufismo:
“Quando
finalmente eu contemplei a verdade através da
verdade, eu vivi a verdade através da verdade e
existi na verdade pela verdade em um presente
eterno, sem fôlego, sem palavras, sem audição,
sem conhecimento, até que Deus tivesse transmitido
a mim um conhecimento impulsionado por
Seu conhecimento, uma linguagem transmitida
de Sua Graça, um olhar moldado em Sua Luz”.
Irradiar uma Luz Divina dentro de nós e
nos perdermos nela, eis o que vem a ser a
Grande Iluminação. Eis mais uma passagem
do místico persa al-Ghazali (1058-1111
d.C.) que o professor Corbin cita: “a mari-
posa que se tornou amante da chama tem a luz
dessa aura como alimento desde que permaneça
a uma certa distância dela. É o presságio desta
iluminação que amanhece que ao mesmo tempo
a chama e lhe dá as boas-vindas. Mas ela
precisa continuar voando até que ela a apanha.
Quando a alcançou, não cabe mais a ela ir em
direção à luz. A chama não é mais seu alimento,
mas ela é o alimento da chama. E é aí que está o
grande mistério. Num momento uma fugitiva,
ela então se torna seu próprio amor, já que ela é
a chama. E isso é perfeição”.
E é aqui que encontramos o objetivo de
todo treinamento iniciático. Sohravardi (ou
Suhrawardi, em árabe), um grande filósofo
persa (1155-1191 d.C.), demonstra ser um
autêntico iniciado quando nos conta que a
alma humana deve rasgar-se para longe das
trevas de seu “exílio ocidental”, ou seja, do
mundo da matéria sublunar, para avançar na
“direção do oriente”, de onde vem a Luz.
Pelo simples ato de serem conscientes de si
mesmo, os seres de luz vão se fazer presentes
uns para os outros – e, observe bem isso –
experimentando um dos privilégios do estado
de Rosacruz, no exato sentido do termo.
A Alquimia
Nas terras islâmicas, a alquimia prosperou.
Para citar apenas um nome, o do ilustre Jabir
ibn Hayyan (Geber no ocidente), discípulo
do 6º Imam Ja’far as-Sadiq, a quem se
atribui a definição do Hermetismo como “a
ciência do equilíbrio”.
É uma questão, de fato, de se encontrar a
relação que existe em cada corpo do manifestado
e do oculto. Essas operações se
aplicam ao material assim como ao espiritual,
como Corbin nos destaca com toda propriedade:
“
É a transmutação da alma voltando a si
mesma que vai afetar a transmutação do corpo.
A alma é exatamente o local dessa transformação
”.
A alquimia, com seus segredos maravilhosos
de total transformação humana era,
sem dúvida, conhecida por muitos iniciados
muçulmanos, tanto dentro do Xiismo quanto
dentro das Ordens Sufis. O hermetismo
islâmico provou ser um dos ramos importantes
da filiação alquímica tradicional.
Henry Corbin conseguiu mostrar claramente
em seu notável trabalho “
Corps
spirituel et Terre Celeste”
(Corpo Espiritual e
Terra Celestial
) que é impossível compreender
qualquer coisa das operações alquímicas
sem vê-las como marcando os estágios de
um caminho iniciático, a peregrinação
espiritual na direção da redescoberta do
Divino dentro de si. É apenas dessa forma
que é possível compreender o sentido exato
deste ensinamento do Imam Ja’far: “
A forma
humana é a maior evidência pela qual Deus
confirma Sua Criação. É o livro que ele escreveu
com Sua própria mão. É o templo que Ele
construiu através de Sua sabedoria. É a reunião
de todos os universos
”.
É também bastante explícita a seguinte
declaração do 6º Imam dos Xiitas: “
A luz do
Imam no coração dos crentes é mais brilhante do
que o Sol, que espalha sua luz
”. E a regra de
ouro de todo treinamento iniciático e de
toda disciplina esotérica se encontra no dizer
deste Ismaili: “
Aquele que conhece a si mesmo,
conhece seu Senhor
”.
Com relação ao contato entre iniciados
muçulmanos e cristãos, isso mereceria
algumas páginas. Vamos nos contentar em
lembrar os contatos, sem dúvida estabelecidos,
entre os Cavaleiros Templários e os
muçulmanos que formavam os assim chamados
“Assassinos”. Não só todas as tradições
esotéricas se encontram no ápice, mas
seus relacionamentos neste plano também
são uma realidade incontestável.
“O sinal do amor de Deus é outorgar três
atributos àquele que O ama: uma generosidade
como a do Mar, uma bondade como a do
Sol e uma humildade como a da Terra”.
–
ABU YAZID BASTAMI Z
* Publicado no “Rosicrucian Beacon” de
março de 2009
A mariposa que se tornou amante da chama tem a luz
dessa aura como alimento desde que permaneça
a uma certa distância dela. É o presságio desta
iluminação que amanhece que ao mesmo tempo
a chama e lhe dá as boas-vindas. Mas ela
precisa continuar voando até que ela a apanha.
Quando a alcançou, não cabe mais a ela ir em
direção à luz. A chama não é mais seu alimento,
mas ela é o alimento da chama. E é aí que está o
grande mistério. Num momento uma fugitiva,
ela então se torna seu próprio amor, já que ela é
a chama. E isso é perfeição”.
E é aqui que encontramos o objetivo de
todo treinamento iniciático. Sohravardi (ou
Suhrawardi, em árabe), um grande filósofo
persa (1155-1191 d.C.), demonstra ser um
autêntico iniciado quando nos conta que a
alma humana deve rasgar-se para longe das
trevas de seu “exílio ocidental”, ou seja, do
mundo da matéria sublunar, para avançar na
“direção do oriente”, de onde vem a Luz.
Pelo simples ato de serem conscientes de si
mesmo, os seres de luz vão se fazer presentes
uns para os outros – e, observe bem isso –
experimentando um dos privilégios do estado
de Rosacruz, no exato sentido do termo.
A Alquimia
Nas terras islâmicas, a alquimia prosperou.
Para citar apenas um nome, o do ilustre Jabir
ibn Hayyan (Geber no ocidente), discípulo
do 6º Imam Ja’far as-Sadiq, a quem se
atribui a definição do Hermetismo como “a
ciência do equilíbrio”.
É uma questão, de fato, de se encontrar a
relação que existe em cada corpo do manifestado
e do oculto. Essas operações se
aplicam ao material assim como ao espiritual,
como Corbin nos destaca com toda propriedade:
“
É a transmutação da alma voltando a si
mesma que vai afetar a transmutação do corpo.
A alma é exatamente o local dessa transformação
”.
A alquimia, com seus segredos maravilhosos
de total transformação humana era,
sem dúvida, conhecida por muitos iniciados
muçulmanos, tanto dentro do Xiismo quanto
dentro das Ordens Sufis. O hermetismo
islâmico provou ser um dos ramos importantes
da filiação alquímica tradicional.
Henry Corbin conseguiu mostrar claramente
em seu notável trabalho “
Corps
spirituel et Terre Celeste”
(Corpo Espiritual e
Terra Celestial
) que é impossível compreender
qualquer coisa das operações alquímicas
sem vê-las como marcando os estágios de
um caminho iniciático, a peregrinação
espiritual na direção da redescoberta do
Divino dentro de si. É apenas dessa forma
que é possível compreender o sentido exato
deste ensinamento do Imam Ja’far: “
A forma
humana é a maior evidência pela qual Deus
confirma Sua Criação. É o livro que ele escreveu
com Sua própria mão. É o templo que Ele
construiu através de Sua sabedoria. É a reunião
de todos os universos
”.
É também bastante explícita a seguinte
declaração do 6º Imam dos Xiitas: “
A luz do
Imam no coração dos crentes é mais brilhante do
que o Sol, que espalha sua luz
”. E a regra de
ouro de todo treinamento iniciático e de
toda disciplina esotérica se encontra no dizer
deste Ismaili: “
Aquele que conhece a si mesmo,
conhece seu Senhor
”.
Com relação ao contato entre iniciados
muçulmanos e cristãos, isso mereceria
algumas páginas. Vamos nos contentar em
lembrar os contatos, sem dúvida estabelecidos,
entre os Cavaleiros Templários e os
muçulmanos que formavam os assim chamados
“Assassinos”. Não só todas as tradições
esotéricas se encontram no ápice, mas
seus relacionamentos neste plano também
são uma realidade incontestável.
“O sinal do amor de Deus é outorgar três
atributos àquele que O ama: uma generosidade
como a do Mar, uma bondade como a do
Sol e uma humildade como a da Terra”.
–
ABU YAZID BASTAMI Z
* Publicado no “Rosicrucian Beacon” de
março de 2009
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